A prisão de José Sócrates continua a fazer parte dos noticiários, agora interrompidos com os acontecimentos recentes em Paris. Todavia, a única coisa relevante sobre o assunto, para além do trabalho da justiça que não é conhecido, são as sucessivas visitas de ex-governantes e de outros dirigentes do PS, o que, confesso, como militante do partido me choca e me conduz à interrogação se aqueles militantes socialistas não se apercebem de que a cada visita enterram um pouco mais o Partido Socialista.

Por isso pergunto-me qual a motivação que os leva a Évora e qual a razão para as declarações de fé na inocência do ex-primeiro ministro de alguns deles, que a realidade já conhecida e mesmo a realidade aceite pelo preso desmentem de forma clara? Penso que a visita de alguns se justifica, como uma tentativa de acertarem versões de histórias passadas, no receio de que possam ir fazer companhia ao preso 44, mas os outros? Será que não se apercebem que mais tarde ou mais cedo vão ser confrontados com a verdade, ou pelo menos com parte dela, e que estão a envolver cada vez mais o PS no descrédito resultante? Ou seja, quando deveriam estar calados e aguardar o resultado do processo, como aconselharia o mais elementar bom senso, o que vão fazer a Évora? De entre todos, a visita que mais me confundiu foi a de António Guterres, que se diz querer ser candidato na próxima eleição para Presidente da República e que, aparentemente, não conseguiu ainda prever a situação deste processo lá mais para o final do ano. Será que acredita que José Sócrates será dado como inocente? José António Saraiva, na sua habitual crónica do jornal Sol da semana passada responde de forma clara, com cinco perguntas, a esta questão da inocência, baseando-se nas próprias declarações de José Sócrates.

Que de forma resumida são as seguintes: - Qual a razão de José Sócrates ter explicado essencialmente as notícias falsas publicadas nos jornais e de não o ter feito com as potencialmente verdadeiras? - Onde está o registo do dinheiro emprestado, qual a razão para que aquela conta do amigo sirva apenas para as suas necessidades de dinheiro, ou para comprar as casas da mãe e não para outros fins, ou se os empréstimos eram reais e naturais qual a razão de tanto secretismo e de não terem recorrido a simples transferências bancárias? Deixou José Sócrates de acreditar nas novas tecnologias? - Outra questão é a de que não é normal, nem explicável, que se peçam emprestadas grandes quantias de dinheiro e se façam despesas sumptuárias e não essenciais, quando se pretende pagar os empréstimos e não existem rendimentos suficientes.

Por outro lado, quando se pede dinheiro emprestado é natural que isso se faça com delicadeza e não através de simples ordens verbais como parece ser o caso, detectado através das escutas. Não será por isso de estranhar que não tendo José Sócrates rendimentos suficientes, não tenha contido os seus gastos? Acrescento a estas perguntas, uma outra da minha lavra. Sabendo-se que os governos de José Sócrates realizaram negócios muito mais importantes com outras empresas do que os realizados pelo grupo Lena, devemos acreditar que nesses outros negócios não se passou nada? Responda quem sabe.

Finalmente, parece claro que a verborreia comunicacional do ex-primeiro ministro tem como objectivo transformar um caso de delito comum num caso de prisão política. O que, para além do insulto que isso representa para os muitos ex-presos políticos que ainda vivem entre nós, envolve a questão do que fará o Partido Socialista, se não arranja forma de cortar de vez a sua ligação a José Sócrates.